Incentivar a cultura é ir além do apoio financeiro
- PATRICIA KLEIN
- 7 de nov. de 2019
- 11 min de leitura
Reportagem: Rochelly Rocha e Patricia Klein - novembro 2017

De que maneira a fase atual da economia no país, afeta a vida de quem vive da arte? Muitos atores e produtores, buscam alternativas para driblar a falta de investimentos na área da cultura que vão desde a falta de espaços à estruturas precárias dos locais existentes de apresentação. Muitas vezes tendo que custear suas próprias produções para seguirem com os espetáculos. Rogério Beretta, 57 anos, ator da peça “Os Homens de Perto – I e II e Homens de Perto Desgovernados”, diz que o teatro é feito de um público limitado e de espaços limitados. Para ele, o governo não se preocupa em educar a população para que os mesmos tenham interesse por esse tipo de cultura. De acordo com o ator, que em 2018 faz 35 anos de carreira no teatro, a cultura sofre uma carência que vai além do apoio financeiro. Segundo Rogério, falta incentivo moral para que o cidadão possa estar inserido na arte desde muito cedo. Para ele o contato com as artes deveria partir das séries iniciais como o ensino fundamental até a faculdade, como ele ressalta a existência disso em outros países como a Europa, onde morou por oito anos, “lá tem um programa no currículo onde inclui o teatro, música, dança, desde a primeira idade, até quando entram na faculdade”, afirma Beretta.

No teatro, os investimentos em aprimorar os espaços públicos existentes e melhorias nas salas de teatros é a principal queixa de quem precisa dos palcos para trabalhar e mostrar sua arte. Para Vânia Tavares, atriz e professora de artes cênicas, a falta de espaços públicos para que aconteçam os espetáculos é um dos fatores que dificultam o trabalho do artista. De acordo com ela, os que existem estão precários, restando os espaços privados, o que dificulta o acesso de todos os públicos, que por serem mais caros, acabam buscando outras alternativas de entretenimento mais em conta. Rogério Beretta ressalta que não falta público e sim, espaços que permitam temporadas maiores para mais grupos, porque atualmente existem mais atores disputando pelos mesmos espaços, tendo que fazer temporadas curtas para que todos consigam apresentar. O ator lembra que último espaço entregue para Porto Alegre, foi a Casa de Cultura Mário Quintana no fim dos anos 80 , início do anos 90. “O Centro Municipal de Cultura é da década de 70, os demais estão fechados ou sucateados”, afirma Beretta. O ator que chegou a permanecer em cartaz por 30 semanas em espaços públicos, conta que a média hoje é de apenas 8 semanas, ou nem isso para muitos outros atores. Para Rogério, é preciso pelo menos 20 espaços de porte médio a mais na cidade de Porto Alegre para dar guarida às produções que existem hoje e possibilitar aos artistas a montarem espetáculos com mais tempo em cartaz, com uma produção mais elaborada. O Ministério da Cultura através do Portal de transparência, pelo período de 1996 à 2017 liberou para o RS em torno de 180 Bilhões de reais para investimentos na cultura no estado. Esse número, por mais grandioso que pareça, é apenas um somatório do que foi conveniado em 21 anos. Em Porto Alegre, por exemplo, foi disponibilizado 69 milhões, 83 mil e 174 reais de 1996 até setembro de 2017, para restauração de patrimônio cultural histórico como na restauração do mercado público em 2015.Atualmente o projeto em execução é a compra de instrumentos musicais para escola de música da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre. A data prevista para a conclusão do projeto para outubro de 2018, ou seja, não tem em pauta a construção de novos espaços, ou verbas direcionadas a melhorias de alguns dos 18 espaços existentes atualmente na Capital.

Na percepção do ator e produtor, Roberto Corbo, os teatros Municipais, por serem um bem público, deveriam ser acessíveis para todos, inclusive às pessoas de baixa renda, o que não acontece. Roberto que também é diretor e professor de teatro, comenta que a falta de investimentos dos setores privados, vai além do que o Governo disponibiliza para esses investimentos, sendo um desafio de manter o teatro. “Os poucos que investem no teatro, é porque tem o principal interesse de lucrar, expondo seu nome ou marca e não o de apoiar o artista ou apoiar a cultura”, diz o ator que desabafa, “bem por isso, quem está começando no ramo, acaba por desistir ou falindo”, afirma Corbo. Para Sabrina Tesôto, atriz de Taquara, que trabalha com teatro de rua e dublagem, os investimentos na cultura são poucos e de difícil acesso, não tendo teatros municipais adequados e os que existem são poucos ou estão sucateados.

A Cia Farra de Teatro que já produziu de forma independente, argumenta que geralmente a prefeitura apoiava o projeto, porém, esse ano com as verbas congeladas, foi diferente e a forma que eles encontraram para produzir o espetáculo foi financiamento coletivo, que está acontecendo muito agora devido a falta de incentivo do governo. “Mas o espetáculo não pode parar, temos que produzir até por toda mensagem que ele passa, inclusive de cunho político, cultural e outras tantas questões humanas que ele passa e vai ao encontro da situação atual que vivemos”, afirma Sabrina.

No Brasil, o RJ e SP ainda tem o teatro como uma das principais formas de entretenimento. De acordo com Clara Clarice Guarani, diretora e também atriz, nessas capitais esse mercado ainda tem mais trabalho, sendo possível sobreviver como ator e atriz, pois as peças em cartaz, acabam sendo divulgadas na mídia, o que ajuda na popularidade do teatro.Clara se formou em jornalismo e com 25 anos foi para Amsterdam como corresponde. Foi lá que começou na vida artística, inicialmente cantando. Depois que voltou para o Brasil em Recife, começou a fazer teatro, depois dança e foi assim que também se tornou produtora e atualmente dá aulas de teatro, embora nunca tenha deixado o jornalismo de lado. Ela conta que não vive sem a arte, mas acredita que por não precisar viver somente dela, consegue ter mais liberdade e leveza em suas produções. Clara destaca que em Pernambuco, onde atuou durante muito tempo, as preferências do público são por manifestações culturais e isso facilita muito fazer e manter a arte viva.

Luis Fernando Rodembuch, ator e professor teatral da escola Paranóia fala que as dificuldades são diversas, mas eles têm lutado dia após dia, há muitos anos dentro dessa área. “Eu sou um dos únicos que vive de teatro em Novo Hamburgo, além do trabalho de recreação, na verdade o teatro está muito envolvido com animação, mas claro que tem a missão de transmitir mensagens de reflexão também. Em relação a crise financeira afetar a cultura, ele comenta sobre o teatro em sua cidade: “Para os teatros de Novo Hamburgo faltam muitos incentivos. E acredito que por parte da administração municipal, deveria haver uma lei de incentivo à cultura específica para nossa cidade”, afirma Luis Fernando.

Juliana Daniela Schneider, 31 anos, natural de Novo Hamburgo, conta que desde criança sonhava em ser atriz, gostava de tudo relacionado a arte, canto, música, dança, pintura, literatura e artesanato, fez aulas de música e dança, mas sua paixão mesmo era pela atuação, cinema e teatro principalmente. Aos 13 anos entrou para o curso de teatro na escola Paranóia e foi aí que se apaixonou pelos palcos e por esse universo. Porém, enfrentou alguns desafios e frustrações que a fizeram se afastar por um tempo do teatro, onde acabou se formando em fisioterapia. Apesar de ter feito o curso por dois anos e amado a experiência de estar nos palcos vivendo outras histórias, percebeu que sua paixão e dedicação pela arte não bastavam para ingressar nesse meio. Descobriu que para atuar até mesmo como figurante, necessitava do DRT, documento exigido para ser um profissional e poder exercer a profissão legalmente em qualquer meio artístico ou emissora. Sobre patrocínio e retorno financeiro Beretta declara que na área teatral, os artistas dependem de convites, de uma boa produção e também de um pouco de sorte. “Muitos atores aos 30 anos acabam largando a profissão para trabalhar num banco, por exemplo, ou qualquer trabalho que tenha uma renda mais estável e poder viver com dignidade, o que é uma pena, porque acabam se perdendo muitos talentos”, afirma Rogério Beretta, que ressalta, “a carreira de ator algumas vezes pode parecer glamorosa em função da exposição na mídia, mas a realidade é dura”.Sobre retorno financeiro dos espetáculos e patrocínio, Beretta conta que isso é possível quando se tem a oportunidade de ficar mais tempo em cartaz, caso contrário, se as apresentações são em curta temporada, pouco se consegue arcar com as despesas, sendo então necessário o patrocínio. “Na verdade o patrocínio se faz necessário quando tu não consegue pagar sua despesa com a bilheteria”, declara o ator, pois as diárias são caras, o tempo de exposição é curto e as equipes são pequenas. “Antes era possível fazer teatro dia e noite, hoje não é mais viável”, afirma Rogério Beretta.
E quando independente de crise, a arte não é valorizada
Roberto Corbo diz que “a maior função da arte é questionar”, referindo-se que a arte pode ser um pouco perturbadora para um governo que prefira que sua população seja comodista e ignorante, evitando confronto de ideias e não necessitando de maiores apoio à cultura. André D’Tal, que se formou na escola de atores Wolf Maya em SP, diz que “o povo brasileiro não é um povo culto, mas entretido”, referindo-se que a grande maioria da população confundem cultura com entretenimento. Ângela Gonzaga, atriz e professora na Universidade Feevale, considera que o aspecto cultural no país, não é visto como essencial para o seu desenvolvimento. Além da presente situação política em que perceba uma diminuição nos investimentos à cultura, uma área que já possuía poucos recursos disponíveis. Ganhadora do prêmio Açorianos por três vezes, além de mais 15 prêmios nacionais, ela considera todas as dificuldades na carreira, superadas que vão desde a não valorização da profissão de atriz às condições de trabalho e ressalta “deve-se defende-la de maneira igual ao nível de importância das demais profissões”, diz Ângela. O ator e professor da Oficina de atores no RJ Thiago Cantarelli Vaz Fryga, diz que o teatro nunca foi uma profissão valorizada ao ponto de alguém viver bem só como ator de teatro. Para ele a maioria das pessoas quando buscam por assistir uma peça, procuram sempre ver quem faz parte do elenco, por terem preferência por atores famosos, o que dificulta para os atores iniciantes em serem reconhecidos, prestigiados.Por outro lado, ele também percebe que em torno de 60% dos que procuram fazer teatro, não é apenas por amor à arte, mas porque querem ficar famosos, ricos e migrar para a televisão, mas o lado bom é que muitos ao ingressar no teatro mudam de pensamento e acabam se apaixonando pelos palcos. Para o filósofo e professor da Universidade Feevale, Henrique Grazzi Keske o país sofre uma deficiência grave nos incentivos que correspondem ao sistema educacional. Para ele, isso é algo que não é apenas parte do cenário atual do Brasil, mas o desinteresse em apoiar a cultura de forma que o cidadão possa se inserir dentro das artes desde as séries iniciais, vem de outros tempos e faz diferença na maneira como o cidadão encara o que é uma manifestação cultural, formando cidadãos que buscam o teatro como forma cultural de entretenimento. “De uma forma geral, nós temos carência de uma política pública efetivamente voltada para a cultura”, afirma Henrique. Sobre as produções culturais de massa como as telenovelas, Henrique ressalta que esse espaço na preferência das pessoas, foi deixado pelo teatro popular, quando na década de 50 e 60 as produções Hollywoodianas tomaram a frente, tornando as produções audiovisuais mais atrativas para um público que de certa forma se tornou comodista. Para o filósofo, essas produções de massa não dão oportunidade de senso crítico ao cidadão, ao contrário do que o teatro proporciona.Henrique também diz que a Lei Rouanet é necessária e precisa continuar. Porém, é necessário resgatar seu propósito original. De acordo com ele, artistas famosos não deveriam receber incentivos da Lei Rouanet, pois ela foi criada justamente para dar suporte e financiar as manifestações culturais que ainda não estão consolidadas no mercado. Para Thiago Fryga, a Lei é a salvação do artista e deveria ser mais divulgada em escala nacional, pois ainda tem muitos empresários que desconhecem essa lei e como ela funciona. “O investidor não se utiliza de seus recursos próprios, mas sim do Imposto de Renda, com isso há uma contrapartida, como a divulgação da logomarca da empresa do investidor”, declara Thiago.
O que dizem os alunos de teatro
A aluna Marina Müller, estudante de licenciatura em teatro na UFRGS, fala que desde criança se viu motivada a fazer teatro. Através da televisão ou quando assistia uma peça de teatro em que via as pessoas atuando, sentia que queria viver outras histórias, experimentar outro mundo. Como parte do público que assiste às peças, ela acredita que o público possa ter diminuído em função dos valores dos ingressos, mas que é necessário que as pessoas entendam que é o trabalho dos atores.
Ângela Segabinazi, que cursa teatro na Neelic, também se viu inspirada desde a infância e pode contar com o apoio da família desde cedo. Ela argumenta que o teatro está em constante mudança, deixando de se apropriar de técnicas mais antigas, mas não está sendo valorizado como antes e compete com um público que tem a tv como principal meio de entretenimento. Sobre os valores de ingressos, ela afirma que falta muita informação para a população sobre o quanto se gasta para fazer um espetáculo e que mesmo quando os ingressos são promocionais o público ainda reluta em dar preferência ao teatro do que para o cinema.
Vanessa Rodrigues que cursou teatro na Oficina de Atores, conta que escolheu o caminho das artes, pois desde pequena achava fascinante a arte de atuar e sempre teve curiosidade em fazer algo relacionado. Como sempre foi desinibida, achou que iria se adaptar bem com as artes cênicas. Por fim, descobriu que sua vida não seria a mesma sem uma vivência mais aprofundada no teatro. Sobre os muitos problemas encontrados nesse meio para manter o teatro, ela nos dá sua opinião: “A palavra dificuldade me incomoda um pouco, por que existem muitas limitações sim, mas quando tu é ator tu não pensa nisso como uma dificuldade, mas sim como etapas ou necessidades para que aquilo que tu estás fazendo se torne real.” Rodrigo Motta que também cursou teatro na Oficina de Atores , lembra que os motivos que o levou a entrar para o teatro, foi o fato de assistir muita televisão novelas e filmes e ter muita vontade de fazer parte do mundo televisivo e cinematográfico, mas o teatro é o primeiro passo que segundo ele, é a base de tudo e é inevitável não se encantar por esse mundo. Mas a vida nos palcos e da profissão de ator, faz Rodrigo refletir: “Minha maior dúvida e medo de investir minha vida no teatro, é se vou conseguir viver bem somente com a arte teatral. O ator não é valorizado infelizmente. Com exceções daqueles que caem na graça de uma grande emissora ou no mundo cinematográfico”, declara Rodrigo Motta.
Seguindo adiante
"Os Homens De Perto" vai completar 15 anos pelos palcos, Rogério Beretta, não sabe dizer ao certo qual o segredo para esse sucesso, mas afirma que a qualidade em tudo o que se faz, independente do estilo da peça, deve ser prioridade, além do ator fazer o que gosta e se divertir com isso. “Todo clássico, um dia já foi popular”, afirma Rogério, que dadas as experiências que teve, pode perceber que nos anos 80 quando iniciou com o teatro, fazia apenas dentro de um círculo de pessoas e assim o teatro não se popularizava, sendo assim, ele cita O Porto Verão Alegre como um espaço na mídia para a popularização de certas peças. “Tangos e Tragédias, virou um clássico, talvez um dia a gente chegue nisso”, diz Rogério. Ele cita “O guri de Uruguaiana” e o Cris Pereira, como fenômenos de públicos, em estilos diferentes, mas com a mesma linha de produção e de popularização. “Um marco para nós Homens de Perto I, foi quando o público esperado era de duas mil pessoas em Campo Bom e o estimado foi de dez mil, “até eu me distraí olhando para o telão e o Zé teve que me chamar”, afirma o ator.Mesmo com espaços limitados, curtas temporadas e falta de apoio financeiro para custear reparos nos teatros ou disponibilizar novos, o ator Rogério Beretta ressalta que o público não diminuiu, cita como exemplo o porto Verão Alegre, projeto que atua como produtor e diretor. Para o ator, com condições e investindo na cultura, é possível dar oportunidades das pessoas também apreciarem. Rogério lembra que no verão, não tinham muitas opções de entretenimento, já que nessa época as pessoas passam mais tempo viajando, estão de férias, mas depois que surgiu o Porto Verão Alegre, o público já chegou em torno de 40 mil. Na opinião de Beretta, é preciso urgentemente de mais espaços públicos com valores mais acessíveis para os grupos de teatro poderem trabalhar, “tendo estrutura, visibilidade e qualidade, as coisas acontecem”, afirma o ator.

“Aos 23 anos repaginei minha vida e aí me encontrei e se tivesse que mudar algo hoje mudaria...Já diz o ditado que se conselho fosse bom não se dava, se vendia, mas se for dar um conselho, digo siga teu coração, a vida é uma só, seja feliz no que faz, não existe tarde para nada, tarde é quando tu não faz. Não foca no dinheiro, nessa de só status e “estabilidade’, pois se te tiram o dinheiro e para ti só isso é o foco , não tens nada, agora tua paixão, tua alegria ninguém tira” Rogério Beretta.
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